Durante o século XIX, o maior parceiro comercial do Brasil
era a Inglaterra. Todavia, as relações comerciais e culturais com a França não
eram de pouca relevância, de forma que a influência francesa foi destacável.
Estudos históricos sobre a presença de franceses no Brasil no século XIX em São
Paulo (tese de doutorado na USP de Vanessa dos Santos Bodstein Bivar) e no Rio
de Janeiro (pesquisa de Lená Medeiros de Menezes da UERJ) registraram que a
França era tomada como um “modelo de civilização” e sinônimo de “luxo”. No
movimento inverso, outros autores apontaram que as elites brasileiras do século
XIX iam para França para estudar ou passear. Posteriormente, na segunda metade
do século XX, a França acolheu refugiados políticos brasileiros que fugiam da
ditadura militar instituída com o golpe de 1964. E desde que os brasileiros
começaram a sair do país em função de motivações econômicas, na década de 1980,
a França tornou-se um destino possível para aqueles que migram em busca de
melhores oportunidades - de vida, trabalho ou estudo.
Esta pesquisa em curso trata especificamente desta “nova
onda migratória”, ou seja, interessa-se pelos brasileiros que foram para a
França depois dos anos 1980. Para quem não sabe, foi nesta época que o Brasil
registrou pela primeira vez fluxos de emigração (saída de brasileiros), pois
historicamente somos um país de imigração (receptor de estrangeiros). Essa
emigração mais massiva resultou em grande medida da grave crise econômica que
assolou o país na década de 1980, e que comprometeu as possibilidades de
inserção no mercado de trabalho e de mobilidade social, inclusive inviabilizando
a manutenção do status social das classes médias. Os trabalhos de Teresa Sales analisam
perfeitamente esse contexto.
Os primeiros destinos dos brasileiros foram Estados Unidos, Europa
e Japão. E a França também começou a atrair aqueles que buscam uma formação
educacional no exterior (no caso de estudantes), uma experiência profissional
diferenciada (no caso de profissionais qualificados), ou ainda uma melhor
remuneração salarial em certos nichos do mercado de trabalho secundário
(trabalhadores com baixa ou pouca qualificação).
No entanto, com a formação do espaço de livre circulação
europeu, a França potencialmente torna-se um território de passagem, trânsito e
instalação para os brasileiros que foram, estão ou vão para a Europa. Este é um
dos motivos prováveis para o crescimento da presença de brasileiros no
território francês.
Neste texto, apresento dados oficiais do Instituto Nacional
de Estatística e de Estudos Econômicos da França (INSEE) que apontam que os
brasileiros são a segunda nacionalidade mais representativa dos
latino-americanos, depois da haitiana, para todos os anos em que há dados deste
tipo divulgados (1982, 1990, 1999 e 2008). Em 2008, os brasileiros eram um
quinto da população latino-americana na condição de estrangeiros e imigrantes
na França. Os imigrantes, conforme a definição do INSEE, são os brasileiros que
vivem na França e nasceram no Brasil, e que obtiveram a nacionalidade francesa.
Os estrangeiros são os brasileiros que moram na França
Os imigrantes brasileiros eram 5.300 em 1982 e 25.000 em
2008. Os estrangeiros também apresentaram crescimento: 3.800 em 1982 e 14.000
em 2008.
Os dados do INSEE mostram que o número de brasileiras na
França é maior do que de brasileiros. A feminização da migração internacional é
um fato que vem sendo reconhecido por diversos estudos contemporâneos. As
mulheres representavam 59% dos imigrantes brasileiros na França em 1982 e 62%
em 2008. Entre os estrangeiros, as mulheres brasileiras são também a maioria:
eram 56% em 1982 e 62% em 2008.
Quanto à idade, o
INSEE divulgou dados por faixas etárias para os anos de 1999 e 2008. A grande
maioria dos brasileiros que vive na França, segundo tais dados, é adulta;
possui de 18 a 59 anos. Aqueles com 60 anos ou mais constituem a faixa menos
representada no grupo. 34% dos imigrantes brasileiros que viviam na França em
1999 tinham menos de 18 anos. Em 2008, este valor diminuiu, e apenas 16% deles
eram menores de 18 anos.
Os casamentos mistos são importantes para pensarmos a
presença de brasileiros na França atualmente. De acordo com estatísticas de
estado civil divulgadas pelo INSEE, em 2010 foram registrados 498 casamentos
mistos entre franceses e brasileiros. Entre os casamentos franco-brasileiros,
78% dos casos eram situações nas quais a cônjuge era brasileira e o marido
francês.
Os dados disponibilizados pelo INSEE não permitem um
reconhecimento mais qualitativo sobre os brasileiros que vivem na França. Não
há, por exemplo, informações sobre o nível de instrução, a inserção
ocupacional, a renda per capita, etc. Estas informações são importantes para analisar a dinâmica desse recente fluxo de brasileiros na França. O levantamento empírico e as entrevistas realizadas como brasileiros que vivem (ou viveram) na França devem cumprir esse papel, e irão orientar e embasar os resultados da pesquisa.